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Os insetos sociais, como formigas, cupins e abelhas, costumam apresentar um mecanismo de defesa em que removem crias mortas ou doentes a fim de reduzir a transmissão de doenças por parasitas e patógenos dentro da colônia.
Esse mecanismo, denominado “comportamento higiênico”, já tinha sido observado e estudado detalhadamente em abelhas com ferrão Apis mellifera, cujas operárias abrem com a mandíbula as células de cria onde estão uma larva ou pupa morta ou doente e as removem do ninho.
Agora, um grupo de pesquisadores da University of Sussex, da Inglaterra, em colaboração com colegas da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP), estudou por meio de um projeto apoiado pela FAPESP o comportamento higiênico em três espécies brasileiras de abelhas sem ferrão: a jataí (Tetragonisca angustula), a mandaguari (Scaptotrigona depilis) e a uruçu (Melipona scutellaris).
Os resultados do estudo foram descritos em um artigo publicado na revista Biology Open.
“Avaliamos o comportamento higiênico nessas três espécies porque são algumas das mais utilizadas no Brasil para produção de mel e polinização agrícola”, disse Denise de Araujo Alves, pós-doutoranda na Esalq-USP.
Os pesquisadores coletaram favos de colônias dessas três espécies de abelhas e os congelaram durante dois dias, a fim de matar as pupas e larvas e simular o efeito causado por um agente patogênico.
Após contar a quantidade de células de cria com pupas e larvas mortas nos favos congelados, eles os reintroduziram em oito ninhos das três espécies de abelhas que foram monitorados a cada 24 horas, durante seis dias, para contabilizar os números de células abertas e de larvas e pupas removidas.
Os resultados do experimento indicaram que todas as três espécies de abelhas sem ferrão apresentaram níveis elevados de comportamento higiênico, removendo rapidamente as larvas e pupas mortas por congelamento.
As abelhas uruçu demonstraram melhor desempenho em executar essa tarefa. Em 48 horas após a introdução do favo congelado em suas colônias, as operárias dessa espécie de abelha removeram mais de 99% das pupas e larvas mortas.
Já as abelhas mandaguari removeram 80% da cria morta e as jataí eliminaram 62%.
“O comportamento higiênico dessas três espécies de abelhas sem ferrão é tão eficiente quanto o de abelhas com ferrão”, comparou Alves.
Curiosamente, os pesquisadores observaram que, em uma das colônias de mandaguari que apresentou desempenho mais lento na remoção de crias congeladas, 15% das abelhas adultas que emergiam de suas células tinham as asas deformadas – indicando a possibilidade da existência de doença ou desordem ainda não identificadas, mas com sintomas semelhantes aos causados pelo vírus da asa deformada em abelhas Apis mellifera.
Para avaliar a capacidade das abelhas mandaguari de identificar e remover as larvas e pupas contaminadas, os pesquisadores realizaram um segundo experimento: introduziram favos com crias vivas de colônia que apresentaram esse problema em outras colmeias saudáveis.
Os resultados desse experimento indicaram que as abelhas das colônias com níveis mais altos de comportamento higiênico no primeiro experimento também foram mais eficientes em detectar e remover a cria insalubre (com 12,5% de remoção) em comparação com as abelhas das colmeias menos saudáveis ou “higiênicas”, que removeram apenas 1% das pupas.
“Isso mostra que há uma variação dentro da espécie: quanto mais higiênica for a colônia, mais rápida será a detecção e remoção de larvas e pupas insalubres”, afirmou Alves.
“Como encontramos um número elevado de operárias com asas deformadas do lado de fora dos ninhos, acreditamos que essas abelhas acabam saindo ou sendo expulsas pelas outras operárias adultas e mais saudáveis”, afirmou Alves.
“Se a deformação das asas delas for causada por um agente patogênico, não é positivo que permaneçam na colônia”, avaliou.
Manejo de colônias
De acordo com estudos anteriores, o comportamento higiênico em abelhas não é aprendido: trata-se de um traço hereditário instintivo desses insetos sociais.
Em Apis mellifera esse mecanismo de defesa ajuda no controle de parasitas e patógenos que atacam esses insetos – como o ácaro da espécie varroa e o vírus da asa deformada. No caso desse grupo, os pesquisadores obtiveram colmeias totalmente higiênicas selecionando abelhas rainhas provenientes de colmeias altamente higiênicas.
Estudos realizados nos últimos 10 anos por pesquisadores do Laboratório de Apicultura e Insetos Sociais da University of Sussex indicaram que colônias de abelhas com ferrão com rainhas higiênicas obtidas por seleção apresentam níveis mais reduzidos de vírus de asa deformada e ácaro varroa e maiores taxas de sobrevivência.
Além disso, produzem tanto ou mais mel do que as abelhas de colônias não higiênicas, o que indica que as operárias das colônias higiênicas não removem a cria saudável por engano.
“Talvez esse mesmo procedimento também possa ser usado no futuro próximo com as abelhas sem ferrão para obter colônias mais saudáveis para serem usadas para polinização agrícola em larga escala”, afirmou Alves.
“Essa seleção poderá ocorrer durante a criação in vitro de rainha, produzindo colônias que apresentem altos níveis de comportamento higiênico para uso comercial”, indicou.
Estima-se que no Brasil existam cerca de 250 espécies nativas de abelhas sem ferrão, que têm sido cada vez mais usadas para a produção de mel e polinização e culturas agrícolas.
As doenças que acometem esse grande grupo de abelhas, encontradas em regiões tropicais em todo o mundo, contudo, são menos conhecidas em comparação com as abelhas com ferrão, apontam os pesquisadores.
“Como é um grupo de abelhas muito diverso e ainda não tão estudado como é a Apis mellifera, acreditamos que as abelhas sem ferrão apresentem doenças que ainda não foram identificadas. Contudo, talvez os baixos níveis de doença que observamos geralmente nessas abelhas se deva a mecanismos eficazes de controle dessas doenças”, avaliou Alves.
“Nesse sentido, o comportamento higiênico pode desempenhar um papel importante na saúde das abelhas sem ferrão”, apontou.
Segundo José Maurício Bento, professor da Esalq-USP e um dos coautores do trabalho, a comunicação química nos insetos sociais é fundamental para sua manutenção. Contudo ainda é pouco conhecida para as abelhas sem ferrão.
“Possivelmente, os sinais químicos produzidos pela cria indicam às operárias adultas o seu estado de saúde, facilitando a detecção e remoção das larvas e pupas doentes. Estamos agora interessados na composição química destes voláteis, o que abre novas e interessantes perspectivas de estudos”, afirmou Bento.
O artigo “Hygienic behaviour in Brazilian stingless bees” (doi: 10.1242/bio.018549), de Toufailia (não apareceu o nome completo dele antes) e outros, pode ser lido na revista Biology Open em bio.biologists.org/content/5/11/1712 .
Fonte: Este artigo foi publicado pela FAPESP e pode ser encontrado aqui:
http://agencia.fapesp.br/abelhas_removem_larvas_mortas_para_reduzir_transmissao_de_doencas_na_colmeia/24624/